MARCELO DE LUCENA SAMMARCO
MARCUS SAMMARCO
Em episódio marcante da edição especial desta respeitada Revista, importante
instrumento que há mais de uma década empresta relevantes serviços
aos operadores do Direito, cumpre-nos aqui trazer esse ensaio que reflete uma
evolução jurisprudencial decorrente de um trabalho construtivo alicerçado no
esforço de diversos profissionais militantes no Direito Marítimo pátrio.
E, para tanto, à altura dessa festiva edição, entre os temas mais discutidos
na jurisprudência de Direito Marítimo nos últimos tempos, sem dúvida,
destacamos o debate acerca da validade e dos efeitos jurídicos da cláusula de
arbitragem inserida nos contratos de transporte marítimo de cargas celebrados
pelos segurados em relação às ações de ressarcimento movidas pelas respectivas
seguradoras sub-rogadas.
Nesse sentido, é importante notar que a jurisprudência brasileira vem
apresentando uma sensível evolução, com um número crescente de decisões
favoráveis ao reconhecimento da validade da cláusula arbitral, bem como dos
seus efeitos em relação às seguradoras sub-rogadas, em todas as instâncias da
Justiça brasileira.
Para início desse ensaio, devemos considerar o respeito à autonomia da
vontade das partes, que é um princípio fundamental do direito contratual, reconhecendo
a capacidade das partes para celebrar contratos de acordo com
as suas próprias vontades e segundo os seus interesses. Isso reflete a ideia de
liberdade contratual, em que as partes têm o direito de negociar e estabelecer os
termos e as condições que considerarem mais adequados ao atendimento das
suas necessidades específicas em relação ao negócio.
Dessa forma, ao respeitar a autonomia da vontade das partes, estamos
reconhecendo a importância da liberdade individual e da autodeterminação
na celebração de contratos. As partes são livres para tomar as suas decisões,
desde que estejam agindo de forma consciente, voluntária e dentro dos limites
legais.
Além disso, a prevalência da autonomia da vontade das partes permite
que estas negociem livremente os termos do contrato, adaptando-o às nuances
do caso concreto, garantindo que os contratos sejam adequados às necessidades
das partes e à realidade específica de cada situação.
É claro que o respeito à autonomia da vontade não pode ser absoluto,
estando sujeito a limitações, bem como à observância e vigilância para se evitar
os casos de fraude, coação, erro, incapacidade legal, entre outras circunstâncias
que possam comprometer a autenticidade da manifestação de vontade e, consequentemente,
a validade do contrato.
Esse exercício de respeito à autonomia da vontade deve ser balizado pelo
equilíbrio, tendo em consideração também outros princípios não menos relevantes,
como a justiça e a equidade. Mas, sem exceção, só podemos admitir a
intervenção estatal para proteger interesses difusos e coletivos legítimos, como
a proteção do meio ambiente e a segurança pública, mas jamais em relações
jurídicas já caracterizadas pelo pleno equilíbrio entre as partes contratantes.
Com efeito, a cláusula de arbitragem consagra a manifestação de vontade
das partes contratantes, no sentido de que quaisquer disputas entre elas, em
decorrência daquele contrato, sejam submetidas ao procedimento arbitral, de
preferência em relação ao juízo estatal. Como é amplamente sabido, trata-se
de uma cláusula comumente encontrada em contratos comerciais, como são
os contratos de transporte marítimo, pela qual as partes optam pelo método
alternativo de resolução de disputas, submetendo-se à decisão por um árbitro
ou um painel de árbitros. E essa opção se dá em razão de uma série de fatores,
podendo aqui elencar, a título ilustrativo, a celeridade do procedimento e a
especialização dos árbitros em relação ao tema em disputa.
Portanto, exercitando a sua autonomia da vontade, as partes concordam
em abster-se de buscar a resolução de eventuais disputas por meio do sistema
judicial estatal, privilegiando a solução por meio de arbitragem.
Outro fator importante a ser considerado é que estamos diante de casos
em que a proteção securitária em questão se classifica como seguro-garantia,
uma modalidade usual quando estamos diante de relações comerciais, especialmente
no âmbito do comércio exterior.
Nesse sentido, e para melhor entendimento, fazemos referência a um trecho
relevante do acórdão proferido no âmbito da 4ª Turma do Superior Tribunal
de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.988.894/SP, sob a relatoria
da Ministra Maria Isabel Gallotti:
“Trata-se de entendimento que pode ser extraído do sítio eletrônico da Superintendência
de Seguros Privados – Susep, no qual se define o objeto do seguro
garantia, bem como a relação entre o contrato de seguro garantia e o objeto
principal:
‘1. O que é seguro-garantia?
O seguro garantia é o seguro que visa garantir o fiel cumprimento das obrigações
assumidas pelo tomador junto ao segurado no objeto principal.
Em outras palavras, é o seguro destinado a garantir/cobrir um objeto principal
contra o risco de default/inadimplemento, pelo tomador, de obrigações
garantidas.
Na prática, mediante o pagamento de prêmio, a seguradora obriga-se ao pagamento
da indenização, caso o tomador não cumpra a obrigação garantida,
conforme estabelecido no objeto principal ou em sua legislação específica,
respeitadas as condições e limites estabelecidos no contrato de seguro.
[…]
O que é o objeto principal do seguro garantia?
O objeto principal do seguro garantia pode ser qualquer relação jurídica geradora
de obrigações e direitos entre segurado e tomador.
Por exemplo, um contrato de prestação de serviços, de construção, processos
administrativos ou judiciais, processos licitatórios, dentre outros.
Qual a relação entre o contrato de seguro garantia e o objeto principal?
O contrato de seguro garantia é um contrato vinculado ao objeto principal,
ou seja, o contrato de seguro deve respeitar as características, dispositivos e
legislação específica do objeto principal.
[…]
O que acontece com a apólice de seguro garantia quando são efetuadas
alterações no objeto principal as quais se façam necessárias alterações na
apólice?
A apólice deverá acompanhar tais alterações, caso tenham sido previamente
pactuadas no objeto principal, em sua legislação específica ou no documento
que serviu de base para a aceitação do risco pela seguradora, não podendo a
seguradora negar o pedido de alteração da apólice.
Já no caso de alterações que não tenham sido previamente pactuadas, a apólice
poderá acompanhar tais alterações, desde que haja o respectivo aceite
pela seguradora.’ (http://www.susep.gov.br/menu/informacoes-ao-publico/
planos-e-produtos/seguros/seguro-garantia. Acesso em 29 ago. 2022)”
(REsp 1.988.894/SP, 4ª Turma, J. 09.05.2023, DJe 15.05.2023)
No mesmo julgado, a partir da constatação de que estamos diante de
uma contratação na modalidade seguro-garantia, é realçado pelo douta Julgadora
que outra não pode ser a conclusão, se não a de que a seguradora tem conhecimento
prévio do contrato e, consequentemente, da existência da cláusula
de arbitragem contratada pelo segurado:
“Pressupõe-se que a seguradora teve conhecimento do contrato (e consequentemente
da cláusula compromissória), para a ele dar a respectiva cobertura. Entretanto,
para as situações em que a seguradora não teve (e não tinha como ter)
ciência da convenção arbitral, a solução pode ser diversa. Logo, é imprescindível
a análise das particularidades de cada caso, da forma e nos termos em que se deu
a contratação.
[…]
Com relação ao conhecimento prévio da seguradora acerca da cláusula compromissória
presente em contratos firmados pelo segurado e terceiros, deve-se,
ainda, levar em consideração o tipo do seguro celebrado, sendo tal ponto importante
para a definição prática sobre a extensão dos efeitos da cláusula arbitral à
seguradora sub-rogada.
Note-se que, em um seguro garantia, por exemplo, há pouco espaço para se
sustentar o desconhecimento da cláusula compromissória, pois presumivelmente
uma seguradora diligente examinou cuidadosamente o contrato entre o tomador
e o segurado que contém a cláusula compromissória na fase de subscrição do
risco. Todavia, no caso de um seguro empresarial ou para riscos de engenharia,
quanto mais abrangente ele for, mais difícil ou até mesmo impraticável será para
a seguradora tomar conhecimento de todos os contratos firmados entre o segurado
e terceiros, para apurar se existem cláusulas compromissórias a serem consideradas.
É o caso, por exemplo, de um seguro de riscos operacionais de todo
um complexo industrial.” (CAHALI, Francisco José; TEODORO, Viviane Rosolia.
Transmissão da cláusula arbitral às seguradoras em caso de sub-rogação e a Sentença
Estrangeira Contestada 14.930 (2015/0302344-0). Revista dos Tribunais.
vol. 1040. ano 111. p. 76-84. São Paulo: Ed. RT, junho 2022.)
E segue a Ministra Relatora, concluindo o seu raciocínio:
“Desse modo, tendo sido submetido o contrato previamente à seguradora, a fim
de que analisasse os riscos provenientes do contrato garantido, dentre os quais
foi ou deveria ter sido considerada a cláusula compromissória, inafastável o entendimento de que tal cláusula deve ser considerara como um dos elementos essenciais
do interesse a ser garantido e do risco predeterminado (arts. 757, caput,
e 759 do CC).
Ademais, a previsão do art. 786, § 2º, do CC, de que ‘é ineficaz qualquer ato do
segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, os direitos a que
se refere este artigo’, refere-se aos atos praticados posteriormente à celebração
do contrato de seguro e/ou sem o conhecimento da seguradora, justamente em
virtude da exigência legal de ciência prévia para se estipular os riscos predeterminados
garantidos.
Não há como incidir a mencionada regra quando a disposição contratual integra
a unidade do risco objeto da própria apólice securitária, dado que elemento objetivo
a ser considerado nos cálculos atuariais efetuados pela seguradora e objeto
da autonomia das partes.
Nessa senda, em razão da presunção de paridade e simetria entre as partes contratantes,
bem como à luz do princípio da intervenção mínima e da excepcionalidade
da revisão contratual, nos termos dos arts. 421, caput e parágrafo único, e
421-A, aquiescendo a seguradora em garantir o contrato de transporte marítimo
internacional, com previsão originária de cláusula compromissória, igualmente
não há que se falar em violação à voluntariedade prevista na Lei de Arbitragem.”
O conhecimento prévio da cláusula de arbitragem, por si só, guarda um
aspecto crucial para a validade e aplicação dessa disposição contratual. Em
termos simples, ele se refere à compreensão e ao consentimento das partes contratantes,
sendo fundamental que as partes tenham tido conhecimento prévio
adequado sobre a sua inclusão.
Mais do que isso, é importante enfatizar que, além das respectivas partes
contratantes, também a seguradora teve conhecimento prévio da cláusula arbitral,
tendo o contrato de transporte marítimo celebrado pela sua segurada o seu
lugar na avaliação de risco e, portanto, na composição do respectivo prêmio.
Assim, o reconhecimento da prévia ciência da seguradora acarreta inevitavelmente
a conclusão de que a cláusula arbitral consiste em risco predeterminado,
tal como o disposto no artigo 757 do Código Civil. A jurisprudência
do Superior Tribunal de Justiça também aponta nesse sentido, a teor do já mencionado
acórdão relatado pela Ministra Maria Isabel Gallotti, no julgamento do
Recurso Especial nº 1.988.894/SP:
“[…] afastar a sub-rogação na cláusula arbitral, previamente exposta à aprovação
da seguradora e de conhecimento de todos, implicaria submeter as partes do
contrato de transporte marítimo ao arbítrio da contraparte na livre escolha da jurisdição
aplicável à avença, pois depende única e exclusivamente da seguradora
escolhida pelo consignatário da carga.”
E trazendo mais lições da jurisprudência, mencionando o precedente do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cujo acórdão foi mantido pelo julgamento
do Recurso Especial nº 1637167/SP, sob a relatoria do Ministro Raul
Araújo, com reconhecimento da validade da cláusula arbitral nas relações jurídicas
de transporte e seguro marítimos, verbis:
“O art. 757 do Código Civil, ao definir seguro, estabelece como limite à emissão
da apólice que os riscos sejam predeterminados. Assim, a emissão da apólice
de seguro ‘Transportes Internacionais’ (fis. 55/62) faz com que se tenha como
premissa que a seguradora conhecia as regras gerais de contratação de transporte
marítimo internacional e, portanto, limitou previamente os riscos cobertos pela
apólice emitida. Aqui nos socorremos da lição de Gustavo Tepedino:
‘Dentre os fundamentos objetivos do contrato de seguro, merecem ser destacados
a mutualidade e o cálculo de probabilidades (Silvio Rodrigues, Direito
Civil, p. 331). A mutualidade verifica-se em razão de haver no seguro um
caráter de cooperação, onde um conjunto de diversas contribuições permite
a formação de um fundo de recursos para o pagamento futuro das indenizações.
É mais fácil suportar coletivamente as consequências danosas dos
riscos individuais do que deixar o indivíduo, só e isolado, exposto a essas
consequências. Já o cálculo de probabilidades, ao qual recorre o segurador
para fixar o prêmio a ser pago pelo segurado, permite estimar, com grande
aproximação, o número provável de sinistros de um determinado tipo que
pode ocorrer em determinada localidade, dentro de certo prazo.’
(Ap. 0149349-88.2011.8.26.0100, 12ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador
Tasso Duarte Melo, J. 11/2/2015) (REsp 1637167, 4ª Turma, Rel.
Min. Raul Araújo, J. 13.11.2023, DJe 01.12.2023)
O conhecimento prévio da cláusula de arbitragem é elemento garantidor
de que as partes contratantes e, portanto, os demais interessados, no exercício
da autonomia da vontade, renunciam ao juízo estatal em favor desse método
alternativo de solução de conflitos. Dessa forma, os interesses das partes e dos
demais interessados estão protegidos, consagrando a transparência no processo
de contratação.
Em outro julgamento, em acórdão da lavra da Ministra Nancy Andrighi,
o papel da seguradora em relação ao contrato de transporte marítimo mereceu
realce:
“Todavia, nos termos apresentados, embora a seguradora não tenha firmado
a cláusula compromissória, pois não era parte no contrato de transporte marítimo
(e-STJ fls. 159-162), sub-rogou-se também na cláusula arbitral, que estava presente
no contrato garantido e que foi – ou deveria ter sido – prevista como álea
ínsita à relação securitária.
Cenário diverso consistiria, v.g., na pactuação de cláusula arbitral em momento
posterior à contratação do seguro, ou, ainda, na hipótese de sub-rogação
convencional. Porém, essas são hipóteses distintas da situação fática dos autos.”
(REsp 2.074.780/PR, 3ª Turma, J. 22.08.2023, DJe 24.08.2023)
Superado esse tema, passamos a analisar outra questão por vezes suscitada,
no sentido de que o contrato de transporte marítimo seja classificado
como um contrato de adesão, o que, como se verá a seguir, não corresponde
à realidade. O contrato de transporte marítimo, por vezes, tem a sua existência
representada pelo conhecimento marítimo (bill of lading), mas que não lhe retira
o caráter de negociabilidade prévia, com a plena liberdade de discussão de
todas as cláusulas que o compõe.
O contrato de transporte marítimo guarda em si uma complexidade de
termos e condições, incompatíveis com um contrato de adesão. Nele são estabelecidas
as regras que disciplinarão uma contratação específica, definidas
partir das peculiaridades do tipo de carga envolvida, da origem e do destino,
da modalidade de frete, da arbitragem, do foro, entre tantas outras. E, na esteira
da mais moderna doutrina acerca do tema, a existência de condições gerais e
cláusulas padrão não tem o condão de lhe descaracterizar, posto que atreladas
ao dinamismo das relações de comércio exterior e transporte, sem que se perca
o caráter negociável das suas cláusulas, o que fere requisito essencial dos contratos
de adesão.
O contrato de transporte marítimo admite personalização, permitindo
que as partes adequem os seus termos às suas necessidades no caso concreto.
Isso permite, inclusive, estabelecer cláusulas adicionais ou mesmo a supressão
de outras porventura preexistentes no modelo proposto inicialmente. Nunca é
demais ressaltar que o contrato de transporte marítimo estabelece uma relação
de parceria entre o contratante e o transportador, ambos com interesse comum
no sucesso daquela expedição marítima. É, assim, um instrumento de importância
fundamental para o comércio internacional, indo muito além do conceito
de contrato de adesão.
E a conjunção de todos esses elementos identificados nessa relação jurídica,
que se inicia a partir da contratação do transporte, passando pelo seguro
garantia, deve ser analisada em relação ao fenômeno jurídico da sub-rogação.
A sub-rogação se refere à transferência dos direitos e das obrigações do
segurado para a seguradora, após esta ter-lhe efetuado o pagamento por um prejuízo
coberto pela apólice. Ato contínuo, a seguradora, quando entender que
esse prejuízo foi causado por um terceiro, buscará o ressarcimento junto àquele
que considera o responsável pelo evento danoso.
É sempre importante ressaltar que a sub-rogação não se confunde com
uma cessão de direitos, embora ambas envolvam a transferência de direitos e
obrigações. Na sub-rogação, a seguradora assume os direitos do segurado para
buscar o ressarcimento, enquanto, na cessão de direitos, o segurado transfere os
seus direitos a terceiros.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça nos brinda com importante
lição inserida no já mencionado acórdão lavrado sob a relatoria da Ministra
Nancy Andrighi, no julgamento do Recurso Especial nº 2.074.780/PR:
“3. Especificamente em relação aos contratos securitários, cuja sub-rogação é
legal, o art. 786 dispõe que ‘paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos
limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado
contra o autor do dano’.
[…]
A seu turno, a cláusula compromissória, espécie do gênero convenção de
arbitragem, pressupõe a voluntariedade das partes contratantes à renúncia à jurisdição
estatal. Porém, uma vez celebrada de forma válida, integra o patrimônio
das partes, sendo possível sua transmissão em determinadas circunstâncias.
[…]
A cláusula compromissória não é condição personalíssima de uma dada relação
de jurídica. Ao contrário, uma vez celebrada, seus termos são genéricos
e comuns a todos os contratantes, independentemente da qualidade da parte,
podendo ser firmada por todas as pessoas capazes, desde que o direito seja
disponível.”
E segue, no mesmo julgamento, agora trazendo ensinamento da doutrina:
“11. Em âmbito doutrinário, entende-se majoritariamente que, operada a sub-
-rogação, a convenção de arbitragem se transmite juntamente com o crédito.
Sobre o tema, transcreve-se os ensinamentos de Antônio Menezes Cordeiro e
Antunes Varela, dentre outros:
‘II. Quanto aos acessórios que se transmitem com o crédito, são referidos: (a) o
direito a juros; (b) o direito ao commodum de representação (794º e 803º);
(c) o direito à indemnização; (d) as cláusulas penais; (e) os direitos potestativos
ligados ao crédito cedido; (f) os direitos a prestações secundárias; (g) os
deveres acessórios, com a dinâmica acima apontada; (h) as exceções ligadas
ao crédito; (i) as estipulações quanto ao foro; (j) a convenção de arbitragem.’
(CORDEIRO, Antônio Menezes. Tratado de direito civil: direito das obrigações,
cumprimento e não-cumprimento, transmissão, modificação e extinção.
t. 9. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2017. p. 795)”
O reconhecimento da validade da cláusula de arbitragem contida nos
contratos de transporte marítimo, bem como dos efeitos em relação às seguradoras
sub-rogadas, antes de mais nada, é uma homenagem aos princípios mais
básicos do Direito, é respeitar o que foi contratado entre partes igualitárias,
no pleno gozo de autonomia da vontade, que não podem ter os seus direitos
frustrados por contratações paralelas exercitadas por uma delas, em prejuízo
da outra. Some-se a isso que o conhecimento prévio dos termos do contrato de
transporte marítimo não permite à seguradora sub-rogada, em nenhuma hipótese,
alegar que é terceiro estranho àquela relação jurídica e, portanto, imune aos
seus respectivos efeitos jurídicos.
O mercador segurador, como é natural, oferece grande resistência para
que as seguradoras sub-rogadas não se submetam aos efeitos das cláusulas arbitrais
contratadas pelos seus segurados, mas ainda assim o que se observa é que
a jurisprudência brasileira caminha a passos largos no sentido de pacificar esse
entendimento, qual seja, o de que os efeitos dessas cláusulas são transmitidos
por obra da sub-rogação, em obediência ao que prescrevem os arts. 349 e 786
do Código Civil.
Da análise de diversos julgados aqui apresentados, notamos que muitos
dos argumentos defendidos pelas seguradoras não mais se sustentam, como são
as alegações de que a cláusula compromissória de arbitragem seja um direito
personalíssimo, que seriam as cláusulas abusivas ante a natureza de adesão dos
contratos de transporte, entre outras, cujos aspectos foram devidamente considerados
nas decisões que formaram a jurisprudência mencionada neste ensaio.
Conclui-se, portanto, que as cláusulas compromissórias de arbitragem
pactuadas pelo segurado contratante do transporte marítimo de carga são perfeita
e integralmente transmissíveis ao respectivo segurador sub-rogado para
fins de ações e disputas em face do transportador por conta de perda, avaria de
carga ou qualquer outro dano relativo ao contrato de transporte em questão, em
homenagem à melhor interpretação do Direito e os seus princípios.
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