O que é cessão de crédito?
A operação envolve duas partes: o cedente (vendedor) e o cessionário (comprador) que consiste, no repasse pelo vendedor de parte ou a totalidade dos seus créditos judiciais ao comprador, recebendo o pagamento de forma célere. Estando, desta forma, livre das amarras de um processo.
A cessão de créditos é uma operação regulamentada pelos artigos 286 a 298 do Código Civil Brasileiro (CC) e caracteriza-se pela transmissão de obrigações, onde o credor transfere os direitos que possui sobre créditos a vencer ou até vencidos a outra empresa, independentemente de o devedor estar de acordo ou não.
Existem diversas empresas constituídas no mercado que realizam a compra/venda dos créditos trabalhistas.
No entanto, a temática ainda guarda certa polêmica, eis que muitos tribunais ainda consideram que a cessão de crédito trabalhista é incompatível com os princípios norteadores da Justiça do Trabalho, em especial, os Princípios da Proteção ao Trabalhador e da Indisponibilidade dos Direitos Trabalhistas (irrenunciabilidade), tendo em vista que não existe entre cedente e cessionário uma relação de trabalho.
Nestes termos:
AGRAVO DE PETIÇÃO. EXECUÇÃO. CESSÃO DE CRÉDITO TRABALHISTA. IMPOSSIBILIDADE. A cessão de crédito do autor ora noticiada é incompatível com os princípios norteadores da Justiça do Trabalho, em especial, os Princípios da Proteção ao Trabalhador e da Indisponibilidade dos Direitos Trabalhistas (irrenunciabilidade), tendo em vista que não existe entre cedente e cessionário uma relação de trabalho. Nestes termos, o revogado Provimento 06/2000, da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho que dispunha sobre a impossibilidade de cessão de crédito na Justiça do Trabalho. Após a edição da Lei 11.101/2005, que disciplina a recuperação judicial, extrajudicial e a falência, parte da doutrina e jurisprudência passaram a defender a possibilidade da cessão de créditos trabalhistas, tendo em vista o disposto em seu artigo 83, VIII, alínea b, que previa a possibilidade de cessão de crédito trabalhistas a terceiros. Cumpre observar que referida disposição foi revogada pela Lei 14.112, de 2020. Entretanto, ainda que se entenda pela possibilidade de cessão de crédito trabalhista, por se tratar de negócio particular, firmado extrajudicialmente com terceiro estranho ao contrato de trabalho, o crédito cedido pelo trabalhador a terceiro perde sua natureza alimentar e, com ela, a própria natureza de crédito trabalhista, o que afasta a competência desta Justiça Especializada para a sua execução, atraindo a competência da Justiça Comum. Registre-se, ainda, que a decisão proferida pelo STF no julgamento do RE.631.537, com repercussão geral reconhecida, que decidiu que a cessão de crédito alimentício não implica alteração da natureza, teve por fim dirimir controvérsia acerca da possibilidade da cessão de crédito alterar a natureza do precatório alimentar. A tese jurídica fixada pelo STF não trata de competência da Justiça, motivo pelo qual não se amolda à situação presente. A cessão de crédito é um negócio jurídico civil e a cessionária não figurou no polo ativo da lide trabalhista, não tendo competência para a execução desse título a Justiça do Trabalho (incisos I e IX, do artigo 114, da CF). Assim, mantenho a r. decisão agravada. Recurso da agravante a que se nega provimento.
(TRT-2 – AP: 10010810720195020038, Relator: IVETE BERNARDES VIEIRA DE SOUZA, 18ª Turma)
Para o Ministro Douglas Alencar Rodrigues, em decisão monocrática proferida no ED-ED-AIRR-820-23.2015.5.06.0221 em 14/08/2021, a proteção jurídica conferida aos créditos trabalhistas, de caráter essencialmente alimentar, não se revela incompatível com a possibilidade de cessão, desde que observados os requisitos gerais de validade do negócio jurídico (art. 104 do CC).
A controvérsia ainda guarda relevância no tocante a competência da justiça do trabalho para executar os créditos cedidos, eis que, alguns tribunais defendem a perda do caráter alimentar, tornando esta justiça especializada, incompetente.
Os cessionários, por sua vez, defendem a legalidade da possibilidade, com base em aplicação por analogia da Lei de Recuperação Judicial (nº 14.112/2020), além de julgados recentes do TST, no sentido de que os créditos trabalhistas de caráter alimentar não são incompatíveis com a cessão.
Em que pese a controvérsia acerca da possibilidade da competência para apreciação da temática, o STF, ao apreciar o Tema 361 de repercussão geral, por unanimidade, deu provimento ao RE 631537 para reafirmar a manutenção da natureza do crédito cedido, no caso de uma reclamação trabalhista, a alimentar – “A cessão de crédito alimentício não implica a alteração da natureza“.
Desta forma, foi reconhecida a competência da Justiça do Trabalho para executar o valor destas ações, mesmo com a posterior alteração do polo ativo da ação, vez que a competência é definida quando do ajuizamento da ação, nos moldes do art. 43 do CPC.
Para Sérgio Pinto Martins
A competência da Justiça do Trabalho não sofre qualquer alteração pelo ingresso do cessionário no processo, pois a competência é determinada no momento em que a ação é proposta, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente. (Martins, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. Volume Único. 36ª Edição: Atlas. 2015, p. 778).
No tocante aos direitos que poderiam ser negociados, alguns defendem que seria vedada a cessão de situações pessoais, como a estabilidade, pois diz respeito apenas à pessoa do trabalhador, no entanto há os que defendam que até mesmo os créditos advindos de direitos personalíssimos poderiam ser cedidos:
[…]No direito do Trabalho, há direitos personalíssimos, tais como a reintegração ao emprego, uma retratação formal, obrigação de fornecer condições para o teletrabalho, o recebimento e direito ao uso correto de equipamentos de proteção entre outros, que não são transmissíveis. Ainda assim, caso sejam convertidos em pecúnia e/ou liquidados, serão passíveis de cessão. (Levenhagen, Antônio José de Barros; e Mincucci, Marília Nascimento. in Revista TST, São Paulo, vol. 87, n. 21, jan/mar 2021. p. 213-227).
A negociação dos mencionados créditos segue sendo matéria recorrente, envolvendo uma série de polêmicas. Em março passado, a 7ª turma do TST negou provimento ao recurso de um advogado de Curitiba/PR que pretendia comprovar a legalidade da compra de créditos da ação de um cliente. Segundo o colegiado, não há como atribuir validade a negócio jurídico firmado por advogado cuja conduta atenta contra a honra, nobreza e dignidade da profissão – sendo, desta forma, moralmente condenável, uma vez que o Tribunal entendeu que os interesses do advogado não poderiam se sobrepor aos interesses de seu cliente na aquisição dos créditos. (RRAg nº219600-49.2077.5.09.0245).
Fonte: informativo TST .
Adriana Mallmann Vilalva