Regulamentação do Programa BR do Mar e seus impactos na navegação de cabotagem

A navegação de cabotagem é um pilar fundamental da logística nacional. Além de ser um modal eficiente e sustentável para o transporte de cargas ao longo da costa brasileira, ela funciona como um importante instrumento para integrar territórios e promover o desenvolvimento regional. Embora reconhecido seu papel geoeconômico, o setor enfrentou, por muito tempo, desafios como entraves regulatórios, concentração de mercado e a ausência de políticas públicas estruturadas que incentivassem seu crescimento de forma competitiva e sustentável.

Nos últimos anos, a cabotagem ganhou destaque na agenda pública voltada para a modernização da matriz de transportes. Esse movimento culminou na promulgação da lei 14.301, de 7/1/22, que instituiu o Programa de Estímulo ao Transporte por Cabotagem, conhecido como Programa BR do Mar. A legislação trouxe um conjunto de medidas para ampliar a oferta de serviços, estimular a concorrência e tornar o setor mais atrativo para investidores privados, especialmente ao flexibilizar as regras de afretamento de embarcações pelas EBNs – Empresas Brasileiras de Navegação.

O principal objetivo do programa é simplificar os mecanismos de afretamento, permitindo que EBNs autorizadas possam usar embarcações estrangeiras. Essa medida representa uma mudança importante na política pública voltada à navegação costeira, pois reconhece o afretamento como um instrumento legítimo para ampliar a capacidade instalada, sem prejudicar os requisitos de nacionalidade necessários para a operação.

Mais recentemente, o Programa BR do Mar foi regulamentado pelo decreto 1.255, de 2025, que atualizou os parâmetros para sua implementação, reafirmando o caráter facultativo da adesão e definindo os tipos de afretamento permitidos. Esse decreto reforça os pilares da política pública, que são a ampliação da frota mercante nacional e a desburocratização dos procedimentos para a operação de novas embarcações por EBNs habilitadas.

O afretamento por tempo, modalidade central do programa, permite maior flexibilidade operacional às empresas brasileiras de navegação. Por meio dele, as EBNs podem contratar embarcações estrangeiras para operar na cabotagem. Contudo, o decreto é bastante claro quanto às condições para esse afretamento, buscando assegurar o cumprimento dos critérios de nacionalidade e controle econômico da frota, em conformidade com a legislação marítima.

O Programa BR do Mar tem potencial significativo para impulsionar a economia nacional, promovendo a integração entre portos e regiões costeiras. Ao fortalecer o transporte marítimo de curta distância, diminui-se a dependência do modal rodoviário, reduzindo custos logísticos, o desgaste das rodovias e as emissões de gases poluentes.

Além disso, o estímulo à cabotagem gera empregos diretos e indiretos, tanto na construção e manutenção das embarcações quanto nas operações portuárias. A melhora das condições para atuação das EBNs favorece a competitividade do setor e pode atrair investimentos em infraestrutura e tecnologia, com impactos positivos na cadeia produtiva e no desenvolvimento regional.

A habilitação no Programa BR do Mar é feita mediante requerimento da empresa interessada, formalizada por ato do ministro de Estado de Portos e Aeroportos, segundo regulamentação específica. Para isso, a empresa deve comprovar autorização da Antaq para operar como EBN na cabotagem, apresentar regularidade fiscal perante a Fazenda Nacional e fornecer dados operacionais periódicos conforme as diretrizes ministeriais. O não cumprimento desses requisitos pode resultar na perda da habilitação, com direito ao contraditório e ampla defesa, e a vedação para novo pedido pelo prazo de dois anos.

Uma vez habilitada, a EBN pode afretar embarcações estrangeiras por tempo determinado, visando a ampliação da frota e maior flexibilidade regulatória. O limite para esse afretamento é calculado com base na tonelagem de porte bruto das embarcações próprias, com percentuais diferenciados conforme o perfil de sustentabilidade da frota.

O programa também prevê o afretamento para substituir embarcações em construção, seja no país ou no exterior, respeitando limites de tonelagem e prazos máximos de 36 meses, prorrogáveis mediante comprovação do avanço físico da obra. Nessas situações, a embarcação estrangeira não é contabilizada como frota própria para fins legais.

Além disso, admite-se o afretamento vinculado a contratos de transporte de longo prazo, com duração mínima de cinco anos e utilização exclusiva de embarcações sustentáveis. Também são previstas operações especiais de cabotagem, analisadas pela Antaq com base em critérios objetivos, como tipo de carga, rotas diferenciadas e ausência de oferta nacional equivalente.

Importa salientar que, em todas as modalidades, as embarcações estrangeiras devem pertencer a subsidiárias integrais estrangeiras da própria EBN ou de outra EBN, permanecendo sob sua posse ou propriedade durante todo o período do afretamento, mediante contrato a casco nu devidamente registrado.

Ainda, as embarcações afretadas nessas condições não serão computadas como frota própria, e o descumprimento das condições estabelecidas poderá acarretar processos administrativos e até a exclusão da empresa do programa.

Por fim, cabe mencionar que ainda está pendente a definição dos critérios técnicos e operacionais que qualificam uma embarcação como sustentável para fins do programa. Embora a lei 9.432/1997 condicione algumas modalidades de afretamento a esses requisitos, o decreto 1.255/25 não especifica os parâmetros, deixando para futura regulamentação pelo Ministério de Portos e Aeroportos, em conjunto com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, a responsabilidade por estabelecer essas diretrizes.

Quanto à tripulação das embarcações afretadas pelo programa, o art. 12 do decreto estabelece a obrigatoriedade de comandante e chefe de máquinas brasileiros, assim como dos mestres de cabotagem e condutores de máquinas que constem como tripulantes, independentemente de estarem registrados no cartão de tripulação de segurança, em conformidade com as normas do Conselho Nacional de Imigração.

A norma permite, entretanto, que os demais tripulantes sejam estrangeiros. Essa regra não é novidade, mas reacende o debate sobre a regulamentação trabalhista aplicável, especialmente quanto à possibilidade de contratação sob padrões internacionais, em divergência com a CLT. Dada a alta carga de custos da mão de obra marítima no Brasil, o tema permanece sem regulamentação clara, gerando insegurança jurídica para as EBNs.

Assim, o Programa BR do Mar representa um avanço importante para a modernização da cabotagem, oferecendo maior flexibilidade operacional e incentivando a expansão da frota nacional. Contudo, aspectos essenciais, como a definição dos critérios para embarcações sustentáveis e a regulamentação trabalhista da tripulação estrangeira, ainda precisam de clareza para garantir segurança jurídica e eficácia na aplicação do programa.

O sucesso do Programa BR do Mar depende do compromisso conjunto do governo e do setor privado em superar esses desafios, por meio de diálogo institucional, regulamentação objetiva e políticas públicas que incentivem a inovação e a sustentabilidade no transporte marítimo de cabotagem.

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