Evolução do paradigma de responsabilidade marítima internacional: A transição da Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil por Danos Causados por Poluição por Óleo de 1969 para o Protocolo de 1992.

No início do mês de outubro, observamos um importante avanço em prol da harmonização da legislação brasileira que norteia o transporte marítimo aos padrões globais. Em reunião deliberativa ordinária realizada em 1 de outubro, a CMADS – Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara Federal aprovou o relatório do deputado Nilto Tatto ao projeto de decreto legislativo 167/25, que institui o Protocolo de 1992 à Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil por Danos Causados por Poluição por Óleo (Protocolo de 1992). Na sequência, o Projeto foi encaminhado à CCJC – Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, sendo designado como relator o deputado Alencar Santana, integrante da FPPA – Frente Parlamentar de Portos e Aeroportos. Uma vez aprovada na CCJC, seguirá para aprovação em plenário.

A Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil por Danos Causados por Poluição por Óleo de 1969 (Convenção CLC de 1969), ratificada e promulgada pelo Brasil por meio do decreto 79.437, de 28 de março de 1977, surgiu como resposta aos riscos de poluição inerentes ao transporte marítimo internacional de óleo a granel, com o objetivo de estabelecer regras e procedimentos uniformes para a determinação da responsabilidade e compensação de danos. Este regime inicial baseava-se na responsabilidade estrita do proprietário do navio e restava sujeito a limitações financeiras.

Contudo, grandes incidentes de poluição revelaram desafios ambientais e econômicos globais até então ignotos, que, por sua vez, escancararam a insuficiência dos limites de compensação e ineficácia da restrição geográfica previstos na Convenção CLC de 1969, restando inconteste a crucialidade de adaptação dos mecanismos de responsabilidade.

Como consequência desse cenário, temos a adoção do Protocolo de 1992 à Convenção CLC de 1969, engendrado como um instrumento para harmonizar e elevar os padrões de proteção, com vistas a assegurar a viabilidade do sistema internacional de responsabilidade e compensação por poluição por óleo. Sua entrada em vigor no âmbito internacional ocorreu em 30 de maio de 1996, e, conquanto a comunidade internacional há muito tempo tenha aderido ao Protocolo de 1992, posto que foi ratificado por mais de 140 países, cinco países ainda permanecem sob a égide da defasada Convenção CLC de 1969, sendo: São Tomé e Príncipe, Cazaquistão, Guiné Equatorial, Líbia e Brasil.

Dentre as alterações mais significativas introduzidas pelo Protocolo de 1992, encontra-se  a expansão do âmbito geográfico no qual a Convenção se aplica e onde os danos são passíveis de compensação, que passou a compreender danos por poluição na ZEE – zona económica exclusiva ou em uma área adjacente de um Estado signatário, além da compensação de medidas preventivas onde quer que forem tomadas, desde que adotadas com o objetivo de impedir ou minimizar danos na área de aplicação expandida.

Notadamente, essa mudança reconhece o direito soberano dos Estados Costeiros sobre a proteção ambiental e dos recursos em sua ZEE e os incentiva a agirem proativamente em águas internacionais próximas para promover a proteção de seu litoral.

Do mesmo modo se mostra relevante a revisão de definições fundamentais promovida pelo Protocolo de 1992, que, além de modernizar e ampliar a cobertura de responsabilidade da Convenção, oferece clareza legal para os Estados acerca do que é compensável em termos de prejuízo ecológico, evitando demandas especulativas por danos ambientais não reparáveis.

Exemplificativamente, o Protocolo de 1992 expandiu o conceito de “incidente” passando a abranger, além do fato que resulte efetivamente em dano, aquele que crie uma grave e iminente ameaça de causar dano por poluição, permitindo que despesas incorridas com medidas preventivas sejam recuperadas mesmo quando não houver derramamento de óleo. No mais, com a redefinição de “navio”, a Convenção passou a abranger derramamentos de embarcações marítimas construídas ou adaptadas para transportar petróleo a granel como carga, aplicando-se tanto a petroleiros carregados quanto vazios.

Não obstante, a definição mais clara de “dano por poluição”, embora mantenha a compensação por perda ou dano, passou a limitar a compensação pela deterioração ambiental, além da perda de lucros, aos custos das medidas razoáveis que tenham sido ou venham a ser executadas para restabelecer o ambiente contaminado.

Para além das alterações mencionadas, o Protocolo de 1992 estabeleceu limites monetários de responsabilidade mais elevados, garantindo uma compensação mais adequada ao contexto, fator crítico para a substituição da Convenção CLC  de 1969. Para melhor contextualização, enquanto a Convenção CLC  de 1969 estabelecia um limite máximo de 210 milhões de francos, equivalente a 14 milhões de DES – Direitos Especiais de Saque, o Protocolo de 1992 elevou o limite máximo para 59,7 milhões de DES, posteriormente majorado por emenda para 89,77 milhões de DES.

Em contrapartida, o Protocolo aumentou a rigorosidade da prova para a perda do direito de limitação pelo proprietário do navio, bem como flexibilizou o processo de certificação para garantir que mais navios que transportam óleo a granel como carga sejam cobertos pelo seguro obrigatório.

Nesse contexto, resta notório que o Protocolo de 1992 consolida um regime normativo robusto, adaptável e vital para o direito marítimo internacional contemporâneo. Logo, sua ratificação representa a modernização do regime jurídico brasileiro e sua adequação aos padrões internacionais, promovendo segurança jurídica tanto para o Estado como para as empresas de transporte marítimo de óleo que operam no Brasil.

Por fim, importante destacar que, conquanto o processo de adesão ao Protocolo de 1992 pelo Brasil tenha se iniciado tardiamente, dado que a proposição apresentada à consideração do Congresso Nacional ocorreu somente em 10 de setembro de 2024, 28 anos após sua entrada em vigor no âmbito internacional, a Marinha do Brasil, a FPPA – Frente Parlamentar Mista de Portos e Aeroportos, o IBI – Instituto Brasileiro de Infraestrutura e a ABDM – Associação Brasileira de Direito Marítimo têm empreendido esforços e cooperado junto ao Congresso em prol da ratificação da Convenção, promovendo engajamento e reforçando a importância da adequação do Brasil às convenções internacionais que norteiam a atividade marítima.


Referências

BERLINGIERI, Francesco. Conversion of the Gold Monetary Unit into Money of Payment. Lloyd’s Maritime and Commercial Law Quarterly, ISSN: 0306-2945, pag. 97, Nações Unidas. Disponível aqui.

BRASIL. Decreto nº 79.437, de 4 de março de 1977. Promulga a Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos Causados por Poluição por óleo, 1969. Anexo. Disponível aqui.

BRASIL. Marinha do Brasil. International Convention on Civil Liability for Oil Pollution Damage, 1969. Disponível aqui.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Decreto Legislativo de Acordos, tratados ou atos internacionais 167/2025. Aprova os textos do Protocolo de 1992 à Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil por Danos Causados por Poluição por Óleo (CLC PROT 1992) e das Emendas ao CLC PROT 1992, adotadas pela Resolução LEG.1(82), de 18 de outubro de 2000. Disponível aqui.

PROTOCOLO de 1992 que emenda a Convenção Internacional Sobre Responsabilidade Civil em Danos Causados por Poluição Por Óleo, 1969. Disponível aqui.

IMO (International Maritime Organization). International Convention on Civil Liability for Oil Pollution Damage (CLC). Disponível aqui.

IMO (International Maritime Organization). International Convention on the Establishment of an International Fund for Compensation for Oil Pollution Damage (FUND). Disponível aqui.

IMO (International Maritime Organization). Status of Conventions – Ratifications by State. Disponível aqui.

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